sexta-feira, 7 de março de 2008

Descobrindo a bola

Minha escola de futebol foi a várzea. Foi na terra batida do glorioso Marítimo, ouvindo um negão de olhos azuis que um dia fora o Monstro do Maracanã, que a mágica aconteceu. Num daqueles vestiários fedendo a mijo me ensinaram a dar laço em chuteira, e levando cuspe e tapa na cara aprendi como me livrar de um marcador. Futebol era aquilo.

Era dividir bola perdida com os moleques do Clube Jabaquara, escutando nosso treinador gritar “chega chegando! chega chegando!”. Era rezar de mãos dadas antes de entrar em campo, pedindo proteção “a nós e ao nosso adversário”. Era terminar a partida e tomar um refrigerante no bar, ouvindo as piadas dos adultos. A gente não entendia direito, ria mais de timidez.

Na várzea é que o futebol acontecia. Você já viu um lateral-direito arremessar o ponta-esquerda no alambrado com um tranco de corpo e no processo arrancar-lhe uma orelha? Na várzea, eu vi. Quando jogo terminava sem feridos ou uma procissão querendo matar o juiz, o povo até estranhava. O que mais tinha ali era juiz ladrão. Às vezes roubavam tanto – a nosso favor, éramos o time da casa – que dava vergonha.

Mas era só jogar em outros campos que pagava-se na mesma moeda. Lembro de uma vez que fomos para Analândia, no interior. Eu defendia as cores do Clube do Mé. Nós vencíamos por um a zero os varzeanos locais quando o juiz decidiu que Einstein se aplicava ao futebol e que o tempo era relativo, deixando a partida correr por quase uma hora além do normal para eles empatarem.


Mais precária que a várzea, só mesmo a “favelinha”. Assim eu e meu pai apelidamos o campinho que ficava dentro de uma favela, perto da nossa casa. Era um terrão enlameado com traves sem rede, pegado a um córrego. Sábado era dia de implorar para ele me levar pra favelinha.


A gente chegava com a bola, convidava a molecada que estava por ali e armava a pelada. Eu não tinha mais que oito anos. Quando acabava, meu pai colocava a turma no carro e pagava refrigerante para todo mundo no boteco do bairro. Sabe lá o quanto esses rachões na favelinha não moldaram meus conceitos...

Coisas que acontecem muito cedo na vida da gente marcam a consciência a ferro quente. Você não muda mais. Hoje não tenho oito anos, nem acho que ainda dê para entrar em favela como a gente entrava. O Marítimo e o Clube do Mé acabaram, foram demolidos para nascer um tal Parque do Povo. Hoje jogo bola com uma turma que aprendeu futebol assistindo ao campeonato europeu no pay-per-view, e me divirto como se estivesse na favelinha. Bola é tudo igual. Também jogo com meus chefes aqui na editora, mas não é porque são meus chefes que alivio o pé. Bola é tudo igual, e reduz as pessoas ao mesmo denominador também. No campo não tem chefe, nem favelado. Tem a bola.

Um comentário:

Laura disse...

Beirando a maturidade. ha..ha..ha...
Lembranças que emocionam, não temos como escapar deste marcador.
Mesmo para quem participou indiretamente, apagando as marcas, nos horríveis esfolados das pernas e a sujeira dos uniformes.
Bj,
muncha